RECORDANDO
D. ANTONIO
Recentes divagações da tertúlia sobre a memória de Mestres desaparecidos --- Sebastião Cruz, Alvaro d'Ors... --- lembraram-me que em Outubro passou mais um aniversário sobre a morte de Antonio Truyol y Serra, um outro espírito de eleição do país chamado irmão. Não sei se alguém em Portugal se lembrou de lhe dedicar as linhas que sobejamente mereceu, tanto como Mestre de várias gerações de juristas e politólogos, tanto como Amigo de Portugal e da sua Cultura.
Recentes divagações da tertúlia sobre a memória de Mestres desaparecidos --- Sebastião Cruz, Alvaro d'Ors... --- lembraram-me que em Outubro passou mais um aniversário sobre a morte de Antonio Truyol y Serra, um outro espírito de eleição do país chamado irmão. Não sei se alguém em Portugal se lembrou de lhe dedicar as linhas que sobejamente mereceu, tanto como Mestre de várias gerações de juristas e politólogos, tanto como Amigo de Portugal e da sua Cultura.
Conheci-o em Madrid, em período peculiar em que a minha vida de Paris para ali tumultuosamente fluía, na Universidade de Comillas, pela mão do P. Mariño Gomez S.J. Ficámos amigos, até porque da Serrano, onde eu poisava, até à Juan Bravo onde o Mestre se refugiava na sua biblioteca, não era tão longe. Nas repetidas vueltas que tinham esse ponto de partida, recordo que me deu a conhecer pessoalmente Luis Díez del Corral, o hoje quase esquecido autor de El rapto de Europa, paradigma espanhol da elegância humana e académica, bem como ao asténico Tomaz y Valiente, o constitucionalista emérito depois assassinado por criminosos bascos. Em Itália lhe devi ter visto e ouvido il divo Bruno Paradisi, o mestre da portentosa Civitas Maxima, abencerragem da escola júridica clássica italiana. Sobretudo, a D. Antonio Truyol devo a imagem quase directa e os primeiros e tardios passos no conhecimento de Carl Schmitt, de quem foi dilecto amigo no exílio santiaguense do pós-guerra a que se confinou o génio do Nomos. Em D. Antonio recordo também a imensa simplicidade, a fina ironia, a alegria de viver e a humanidade de um espírito de eleição, o homem que vi um dia na tertúlia gastronómica do germânico Edelweiss, junto às Cortes, em Madrid, sobre o transe hipnótico da clientela próxima e da criadagem, recitar de memória páginas inteiras de Goethe, de Schiller, de Dante, de Lope...
Honrado pela Academia de aquém e além fronteiras, o magistério de Truyol em Portugal nunca foi inteiramente esquecido, e, felizmente, por iniciativa de Carlos Amado (INP) e com tradução de Barrilaro Ruas, saíram em português, a História do Direito Internacional Público (já editada e traduzida in illo tempore por Cabral de Moncada) e os dois primeiros volumes da sublime História da Filosofia do Direito e do Estado, já completada em Espanha com um póstumo terceiro (Idealismo y Positivismo), simbolicamente apresentado, no ano passado, durante as comemorações do 50º aniversário da morte de Ortega y Gasset.
Praticamente até ao fim da vida D. Antonio visitou Portugal. Ultimamente vinha pela mão desse também já desaparecido e saudoso Carlos Amado ou das de José Adelino Maltez, Afonso d'Oliveira Martins e António Vasconcelos Saldanha. Pertencente eu embora a outra "família", via-o sempre que podia (mas não tanto como queria), a última das quais em Lisboa, caído nos meus braços, literalmente fugido (e aliviado) do amplexo baboso de faustoso internacionalista da FDL. Lamentou sem agrura a falta de grandeza dos tempos que corriam e a vulgaridade que irremediavelmente grassava em Espanha, concluindo a charla com a recomendação divertida do último livro de viagens de Paul Theroux. Tenho muitas saudades de D. Antonio.
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