S. Francisco Xavier (Ilha de Ambon)
DESTES JÁ NÃO REZA A NOSSA HISTÓRIA
Pasa na bordu maar
Ola nabiu kére nabiga
Vilu vilu nangkorsan mal
Nungku aaja didjustisa
(Passa à borda do mar
Olha o navio que já navega
Filho, filho, não tenhas mau coração
Nunca te aches a contas com a justiça)
O Governo da Indonésia acaba de fazer passar pelas armas três cristãos luso-descendentes naturais da Ilha das Flores: Fabianus Tibo, Marianus Riwu e Domingus da Silva, responsabilizados pela desgraça dos confrontos entre muçulmanos e cristãos na ilha de Sulawesi no ano de 2000. Proclamando a sua inocência até ao fim, e solidariamente acompanhados pela comunidade católica dos antigos territórios da Insulíndia cristianizados e miscigenados pelos Portugueses --- Sulawezi (as antigas Celebes), as Flores, Timor, Ambon (a velha Amboino) e as Molucas --- meio mundo percebeu que esses pobres homens morreram numa manifestação dos dois pesos e duas medidas da justiça do maior estado muçulmano do mundo: não só a reacção dos católicos é compreensível face à tremenda pressão e brutalidade da discriminação da população muçulmana, como é notório o simbolismo das penas de prisão aplicadas aos réus da outra banda. O apelo feito pelo Santo Padre no mês passado à clemência dos javanezes logrou de algum modo suspender a execução, mas quem sabe aproveitando o clamor e os urros do mundo islâmico, foi este o momento escolhido pela Indonésia para conduzir os condenados ao paredão. Diz-se até que pesou a razão de estado de assim preparar o caminho à execução dos três muçulmanos autores do atentado terrorista de Bali.
Assuntos internos da Indonésia, dir-se-á. E bem, no que diz respeito à interpretação dos factos, da Lei e da sua aplicação. Todavia, assuntos também do foro humanitário e da consciência internacional, como outros bem se aperceberam, a começar pelo Santo Padre, naquela margem da piedade e da clemência autorizada pela transcendência do significado e do contexto da situação.
Todavia, não me consta que nenhum governante, nenhuma personalidade, nenhuma entidade portuguesa levantasse a sua voz, escudada nesse superior jus gentium e, sobretudo, pela autoridade e pelo respeito devido a terras e gentes onde ser kristang é ser ainda hoje portugis. Conheci e palmilhei as Flores num tempo em que, nem de passagem, era fácil ser Português na Indonésia, e raras vezes senti com tanta intensidade na Ásia o peso da ancestralidade cultural e sanguínea portuguesa: aldeias, gentes, práticas, falas, faces --- o que resta dos lançados, dos náufragos, e, sobretudo, das comunidades inteiras refugiadas na ilha após a queda de Malaca, carregando em barquinhos pelos mares dos Estreitos os seus santos, os seus turíbulos, os seus crucifixos, os seus pendões, as suas espadas e os seus morriões. Ainda os têm na Ilha as Misericórdias, as Confrarias, as famílias, esses Cunhas, Vasconcelos, Dias, Costas, Fernandes, Pereiras, e, sobretudo, o velho Rei de Sikka, D. Aleixo da Silva, ou aqueloutro ancião D. Álvaro Pereira que vi, seco, terso, fidalgo, dirigindo-se em altaneiro português quinhentista, aos mandarins que a Indonésia para lá exporta de Java. À falta de lá ir, que se leia ao menos a Presença de Portugal na Indonésia (FCG), da pena do diplomata ilustre que é António Pinto da França, que por lá andou no tempo em que, antes da fandanguice dos lorosaes, nos respeitavam o nome e o pavilhão. Ficava-nos mal agora um humanitário agitar de bandeira, no esteio do Santo Padre, marcando até uma diferença em relação ao brado interesseiro dos Australianos ou à bem pensante Amnistia Internacional? Aliás, não é hoje Santos Braga, o representante de Portugal na Indonésia, uma das pouquíssimas excepções em termos dos ineptos e dos pataratas que o MNE manda representar-nos na Ásia? Mas não, a Portugal e a quem aqui mais ordena essas coisas já não interessam. Não interessam, repito, essas gentes e essas terras onde ser kristang é ser portugis, ou vice-versa. Preferem esgotar-se na ordinarice das Anas Gomes do burgo, na pieguice e na histeria do acalentar cego dessa monstruosa falsidade que é Timor, acobertando o negócio bandalho de meia dúzia de crioulos netos dos degredados da República e do Estado Novo, que reinam sobre desgraçadas e supersticiosas multidões de aborígenes recém-saídos da Idade do Ferro. Sabem lá os nossos próceres onde é a Insulíndia e o que representam na nossa cultura e na nossa tradição as Molucas, Amboino, as Flores e as Celebes, essa tal Sulawesi, que o idiota do telejornal de há bocado dizia ser “na outra metade” de Timor.
Quantos aos outros, os do paredão, e em português, um simples voto de paz às suas almas no resplendor da Luz Perpétua.
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