A PRAGA DO DELÍRIO MESSIÂNICO
Acompanhei – senão com saber que não tenho, pelo menos com interesse -- a discussão que por aí andou sobre as direitas, verbosa, contundente às vezes, com interessantes variações sobre Maurras, Unamuno e Millan Astray. Despertou-me a atenção um tópico a que três dos protagonistas principais, entretidos nos estrangeirismos, aludiram, sem porém quererem sobre ele discorrer. Refiro-me ao tópico do sebastianismo e da sua influência ou pseudo influência no pensamento político português. Depois, e ainda com as peças a fumegar na blogosfera, vem J.A. Maltez num dos seus auto-exegéticos posts recordar-nos, em sede de apelo à autenticidade, a posição patriótica de Fernado Pessoa: “Partidário de um nacionalismo mítico, de onde seja abolida toda infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: "Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação". Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima. Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania".
Nem mais. Diz-nos J.A.Maltez que este texto data das vésperas da morte de Pessoa. Compreende-se assim que a borracheira já aqui infelizmente metesse o seu dedo. Mas, citado, entende-se do contexto do post que J.A. Maltez parece subscrever gostosamente este delírio como projecto de Direita. Ou não, já que presente o que ainda há poucos meses em brilhante conferência ouvi da boca de JAM, não bate a bota com a perdigota.
Todavia, verba volant scripta manent. O débito de textos deste teor sugere um pendor que nunca compreendi e que nunca apreciei no contexto das discussões sobre direita, tradição, nacionalismo. Aliás, consonante com o que por aí anda nas correntes de uma nova história do pensamento político. Agora é uma nova corrente historiográfica onde Rei D. Manuel (que à compita com a propaganda legitimadora do reino vizinho, também teve ao seu serviço um místico de serviço, como Duarte Galvão) é o fautor de um “projecto imperial manuelino” eivado de messianismo e que só se sustenta na cabeça de L.F. Thomaz. Já nos bastava na genealogia do delírio o desastre de Alcácer Kibir e a desgraça de um monarca sem tino e sem respeito que, entre outras inconvenientes, nos lançou na tonteria do Sebastianismo, cuja natureza, oscilando entre os oportunismos políticos e os delírios inocentes dos alucinados, só quem não quer não vê resolvida numa linha de crítica histórica (e digo já que exceptuo as vulgaridades desse pedante-secante que foi Sérgio) que vai de Sampaio Bruno a Martim de Albuquerque n’O Valor Politológico do Sebastianismo. Nessa senda de ilusões, segue-se o Padre António Vieira, cujo 5º Império – hoje claro que ditado na sua concepção pelo aproveitamento de topoi de propaganda política recolhidos requentados do arsenal da máquina legitimadora da Monarquia Filipina – tem sido espremido à exaustão para extrair mais delírios e extrapolações filosóficas à maneira profunda de Paulo Borges. O que geralmente não se diz é que a tradição política portuguesa, velha, chã e sensata, sempre torceu o nariz a estes disparates. Ainda há dias o confrade Cunha Porto nos recordava como o Miguelismo encarregara o P. José Agostinho de Macedo de pôr um ponto nos delírios sebastianistas emergentes.
Mas, nestas áreas das essências e da tradição, já pouco ou mal se fala de reflexões pertinentes como as de F. Cunha Leão sobre o Enigma Português, o visionarismo sensato de Almerindo Lessa, ou sequer se cura de abrangentemente ler do que foi a vera consciência nacional portuguesa em Paulo Merêa, em Silva Dias (na fabulosa Política Cultural de D. João III), na Épica Tradicional de Fidelino de Figueiredo, em Borges de Macedo, (e porque não em Eduardo Lourenço?) em mil e um escritos de António José Saraiva, nos monumentais Estudos de Cultura Portuguesa de Martim de Albuquerque et al. Não. Como o pé para chinela, parece haver outra tendência no português para o delírio esotérico, um (outro) expediente de fuga à realidade que muitos devem ter herdado nos genes dos rabinos sefarditas, propensos ao messianismo, à numerologia e ao cabalismo estéril, e que nas camadas mais ignaras se revela pelo sucesso de obras do estilo do Terceiro Olho do pseudo-tibetano Lobsang Rampa.
Lembro-me de anos atrás quando frequentava certos círculos onde se discutia tradição, nacionalismo e pátria, que lá vinha atrelado aos tópicos o maldito esoterismo e o cacharolete do 5º Império, de D. Sebastião, do Espírito Santo dos Açores, dos entusiasmos joaquimitas e das fantasias de Agostinho da Silva. Tudo muito supimpa quando se é novo, entusiasta e relativamente tonto. Até o Paulo Teixeira Pinto, depois de produzir um ou dois textos de nacionalismo esotérico, se deixou disso para arribar ao porto da doutrina bem mais prática de Mons. Escrivá.
Mas a verdade é que quando um novo vigor, ou pelo menos uma nova vontade e uma crescente necessidade, parece animar as hostes a repensar a tradição e o nacionalismo, lá vem outra vez a praga do delírio messiânico. E lá vem o Fernando Pessoa, que à parte ser um extraordinário poeta, não tinha os alqueires bem medidos e que em matéria de pensamento político, vamos lá com Deus. Lá vem o tal trio Afonso Botelho, Sotomaior e António Quadros, a fantasiar sobre o sebastianismo para daí extrair postulados de doutrina de governação. Sobretudo Quadros (com a sua Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista ou o Portugal. Razão e Mistério) que de excelente pessoa que era, nem por isso adiantou para estancar a torrente do delírio, pelo contrário. Se a isto juntarmos as disquisições de outra excelente pessoa que foi Agostinho da Silva, com os seus sebastianismos, mirabolices do Espírito Santo, abraços armilares, impérios da portugalidade, temos mais ou menos definidas as areias onde muitas vezes encalha a barca do pensamento tradicionalista, na companhia de luminares como o Prof. Gandra e mais o seu Diccionário do Milenário Lusíada (Impérios do Divino, Sebastianismo e Quinto Império, colecção Guias da Tradição).
Incapacidade portuguesa para impor no raciocínio político o crivo da crítica aplicável à tendência poética. Na melhor das hipóteses quando é poética, e o poético não é fachada de uma alucinação perniciosa que só em Portugal tem foros de legitimidade para impor uma estética e uma praxis cuja interferência se revela nos desastres do dia a dia. Loucura e História… e eu que não dou com este artigo de António José Saraiva.
Acompanhei – senão com saber que não tenho, pelo menos com interesse -- a discussão que por aí andou sobre as direitas, verbosa, contundente às vezes, com interessantes variações sobre Maurras, Unamuno e Millan Astray. Despertou-me a atenção um tópico a que três dos protagonistas principais, entretidos nos estrangeirismos, aludiram, sem porém quererem sobre ele discorrer. Refiro-me ao tópico do sebastianismo e da sua influência ou pseudo influência no pensamento político português. Depois, e ainda com as peças a fumegar na blogosfera, vem J.A. Maltez num dos seus auto-exegéticos posts recordar-nos, em sede de apelo à autenticidade, a posição patriótica de Fernado Pessoa: “Partidário de um nacionalismo mítico, de onde seja abolida toda infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: "Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação". Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima. Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania".
Nem mais. Diz-nos J.A.Maltez que este texto data das vésperas da morte de Pessoa. Compreende-se assim que a borracheira já aqui infelizmente metesse o seu dedo. Mas, citado, entende-se do contexto do post que J.A. Maltez parece subscrever gostosamente este delírio como projecto de Direita. Ou não, já que presente o que ainda há poucos meses em brilhante conferência ouvi da boca de JAM, não bate a bota com a perdigota.
Todavia, verba volant scripta manent. O débito de textos deste teor sugere um pendor que nunca compreendi e que nunca apreciei no contexto das discussões sobre direita, tradição, nacionalismo. Aliás, consonante com o que por aí anda nas correntes de uma nova história do pensamento político. Agora é uma nova corrente historiográfica onde Rei D. Manuel (que à compita com a propaganda legitimadora do reino vizinho, também teve ao seu serviço um místico de serviço, como Duarte Galvão) é o fautor de um “projecto imperial manuelino” eivado de messianismo e que só se sustenta na cabeça de L.F. Thomaz. Já nos bastava na genealogia do delírio o desastre de Alcácer Kibir e a desgraça de um monarca sem tino e sem respeito que, entre outras inconvenientes, nos lançou na tonteria do Sebastianismo, cuja natureza, oscilando entre os oportunismos políticos e os delírios inocentes dos alucinados, só quem não quer não vê resolvida numa linha de crítica histórica (e digo já que exceptuo as vulgaridades desse pedante-secante que foi Sérgio) que vai de Sampaio Bruno a Martim de Albuquerque n’O Valor Politológico do Sebastianismo. Nessa senda de ilusões, segue-se o Padre António Vieira, cujo 5º Império – hoje claro que ditado na sua concepção pelo aproveitamento de topoi de propaganda política recolhidos requentados do arsenal da máquina legitimadora da Monarquia Filipina – tem sido espremido à exaustão para extrair mais delírios e extrapolações filosóficas à maneira profunda de Paulo Borges. O que geralmente não se diz é que a tradição política portuguesa, velha, chã e sensata, sempre torceu o nariz a estes disparates. Ainda há dias o confrade Cunha Porto nos recordava como o Miguelismo encarregara o P. José Agostinho de Macedo de pôr um ponto nos delírios sebastianistas emergentes.
Mas, nestas áreas das essências e da tradição, já pouco ou mal se fala de reflexões pertinentes como as de F. Cunha Leão sobre o Enigma Português, o visionarismo sensato de Almerindo Lessa, ou sequer se cura de abrangentemente ler do que foi a vera consciência nacional portuguesa em Paulo Merêa, em Silva Dias (na fabulosa Política Cultural de D. João III), na Épica Tradicional de Fidelino de Figueiredo, em Borges de Macedo, (e porque não em Eduardo Lourenço?) em mil e um escritos de António José Saraiva, nos monumentais Estudos de Cultura Portuguesa de Martim de Albuquerque et al. Não. Como o pé para chinela, parece haver outra tendência no português para o delírio esotérico, um (outro) expediente de fuga à realidade que muitos devem ter herdado nos genes dos rabinos sefarditas, propensos ao messianismo, à numerologia e ao cabalismo estéril, e que nas camadas mais ignaras se revela pelo sucesso de obras do estilo do Terceiro Olho do pseudo-tibetano Lobsang Rampa.
Lembro-me de anos atrás quando frequentava certos círculos onde se discutia tradição, nacionalismo e pátria, que lá vinha atrelado aos tópicos o maldito esoterismo e o cacharolete do 5º Império, de D. Sebastião, do Espírito Santo dos Açores, dos entusiasmos joaquimitas e das fantasias de Agostinho da Silva. Tudo muito supimpa quando se é novo, entusiasta e relativamente tonto. Até o Paulo Teixeira Pinto, depois de produzir um ou dois textos de nacionalismo esotérico, se deixou disso para arribar ao porto da doutrina bem mais prática de Mons. Escrivá.
Mas a verdade é que quando um novo vigor, ou pelo menos uma nova vontade e uma crescente necessidade, parece animar as hostes a repensar a tradição e o nacionalismo, lá vem outra vez a praga do delírio messiânico. E lá vem o Fernando Pessoa, que à parte ser um extraordinário poeta, não tinha os alqueires bem medidos e que em matéria de pensamento político, vamos lá com Deus. Lá vem o tal trio Afonso Botelho, Sotomaior e António Quadros, a fantasiar sobre o sebastianismo para daí extrair postulados de doutrina de governação. Sobretudo Quadros (com a sua Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista ou o Portugal. Razão e Mistério) que de excelente pessoa que era, nem por isso adiantou para estancar a torrente do delírio, pelo contrário. Se a isto juntarmos as disquisições de outra excelente pessoa que foi Agostinho da Silva, com os seus sebastianismos, mirabolices do Espírito Santo, abraços armilares, impérios da portugalidade, temos mais ou menos definidas as areias onde muitas vezes encalha a barca do pensamento tradicionalista, na companhia de luminares como o Prof. Gandra e mais o seu Diccionário do Milenário Lusíada (Impérios do Divino, Sebastianismo e Quinto Império, colecção Guias da Tradição).
Incapacidade portuguesa para impor no raciocínio político o crivo da crítica aplicável à tendência poética. Na melhor das hipóteses quando é poética, e o poético não é fachada de uma alucinação perniciosa que só em Portugal tem foros de legitimidade para impor uma estética e uma praxis cuja interferência se revela nos desastres do dia a dia. Loucura e História… e eu que não dou com este artigo de António José Saraiva.
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