<

Je Maintiendrai

"... Le refus de la politique militante, le privilège absolu concédé à la littérature, la liberté de l'allure, le style comme une éthique, la continuité d'une recherche". Pol Vandromme

My Photo
Name:
Location: Portugal

Wednesday, December 19, 2007

PREPARANDO O NATAL - I

O PRESEPE

“…A família do Mosteiro era fiel às clássicas usanças d'esta noite tradicional. E n'aquelle anno sobretudo as festas das consoadas deviam ser coisa falada, graças ao plano de D. Victoria de reunir no Mosteiro a resumida família de Alvapenha; plano que vimos approvado por acclamação por toda a assembleia presente. D. Dorothea veio effectivamente na companhia de Henrique de Souzellas e de Maria de Jesus. Foram recebidos no Mosteiro por uma completa ovação das crianças. D. Dorothea viu-se litteralmente enlaçada em braços infantis, que lhe tolhiam os movimentos e que, dizia ella, quasi ameaçavam asfixia-la. Tudo isto dava motivo a exclamações e risos, que inauguraram um estado de coisas, o qual nunca mais devia cessar aquella noite.
A balbúrdia, a azáfama festiva que ia no Mosteiro era indescriptivel. Na cozinha, nas salas, nos corredores tudo era movimento e ruído. Aqui eram as crianças jogando, a pinhões, o «par ou pernão» e o «rapa», jogos popularíssimos e de ocasião, que, de tão conhecidos, dispensam o trabalho de descrevê-los. Estes jogos, como é de prever, não se executavam sem um concurso de vozearia e de algazarra, que desafiava a impaciência de D. Victoria, a qual, segundo o costume, ia, pelo que se passava na sala, ralhar com os criados à cozi­nha. No aposento immediato ao quarto de D. Victoria, armara-se o presepe, deante do qual ardiam seis velas de cera em castiçaes de prata maciça.(…)
Henri­que voltou com o conselheiro a admirar o primor que a paciência de um artista imaginoso realizara na confecção do presepe, onde estavam representados todos os episódios da natividade de Jesus, e muitos outros. Era effectivamente uma complicada máchina aquelle presepe, e seria prova de profunda indiferença artística passar por elle sem um exame, embora fugaz. Este traste antiquissimo na família gozava de nomeada n'um circulo de léguas em redor. Havia empenhos para o ver no tempo do Natal, e se algum viajante estacionava dois dias na aldeia, encontrava sempre quem lhe recommendasse o visitar o pre­sepe, como coisa digna de ver-se. Consistia elle n'uma espécie de santuário de pau preto, no meio do qual havia uma pequena gruta toda cravejada de caramujos, e rosas de papel, com estames de fio de prata. Dentro d'essa gruta estava deitado o menino Deus, não sobre umas palhas, como a tradição refere, mas graças aos impulsos do compadecido coração de D. Victoria, que, ainda que tarde, parecia tentear um lenitivo aos antigos rigores da humanidade, em uma bonita cama de lençoes de renda com cercadura dourada; colcha de setim bordado, e colchão e travesseiro da mais macia penugem de aves americanas. Ao lado, Nossa Senhora e S. José, de proporções quasi iguaes as do menino; mais longe a vacca e a mula tradicionaes. Os episódios porém eram inquestionavelmente o mais interessante da obra. Vários grupos de pastores, soldados e fidalgos de todos os tamanhos, feitios e vestuários, ornavam a scena. Ali um cego tocador de sanfona; um grupo de gallegos dançando, ao som da gaita de folle; uma pastora com ovos mais adeante; ao lado, um grupo celebrando um pic-nic, perfeita actualidade, tudo em mangas de camisa, com gravata, e botas de cano; — outros fumando e bebendo cerveja. Uma amazona ingleza, com o seu jockey, galopava pelas cercanias de Bethlem, um vareiro e uma vareira caminhavam a par com offertas para o menino. Ao longe, nos visos da serra, appareciam os Três Reis Magos, que deviam levar dez dias a chegar abaixo. Não esqueceu ao inspirado auctor d'aquelle monumento escultural os muros de Jerusalém. Elles lá estavam coroados de ameias e de milicianos fardados a ingleza e armados de lança e arcabuz. Eram gigantes aquelles guerreiros, pois, não obstante estar a muralha no plano do fundo do quadro, qualquer d'elles era duas vezes maior do que as figuras do plano da frente. No alto da muralha arvorava-se a bandeira portugueza. Havia vários santos espalhados pelas agruras d'aquellas montanhas, e, entre os additamentos feitos pela devoção de D. Victoria ao presepe, contava-se o de um Santo António de Lisboa, que, apesar de thaumaturgo, parecia muito admirado de se ver n'aquelle tempo e logar. Um gallo colossal soltava do telhado do presepe o grito annunciador, anjos e cherubins espreitavam do céo por entre nuvens de algodão e estrellas de ouropel. Era um prodígio!”

Júlio Diniz, A Morgadinha dos Cannaviaes (Chronica da Aldeia)

Webstats4U - Free web site statistics
Personal homepage website counter
Free counter <bgsound src="http://file.hddweb.com/80768/Zarah_Leander_-_Sag_beim_Abschied.mp3" >