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Je Maintiendrai

"... Le refus de la politique militante, le privilège absolu concédé à la littérature, la liberté de l'allure, le style comme une éthique, la continuité d'une recherche". Pol Vandromme

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Wednesday, February 15, 2006


AINDA A INTERCULTURALIDADE. À ATENÇÃO DO MNE

À atenção do MNE para estudo nas sessões do Instituto Diplomático, e, já agora, proveito e exemplo para o tontinho que está em Pequim.

Descrição da entrevista do Governador de Macau, José Gregório Pegado, com o Comissário Imperial Qiying em Cantão, 1845. Da Colecção de Fontes para as Relações de Portugal com a China, tomo I:

"Tendo chegado, pouco antes, a Macau, foi convidado pelo célebre vice-rei Ki-ying (que então exercia as funções de delegado e alto comissário imperial nos dois Kuangs) para um banquete em Cantão. Aceitou Pegado com alvoroço o convite, tanto mais que tinha de conseguir do vice-rei que deixasse estabelecer, sem protesto, uma casa forte ou fortaleza na ilha da Taipa, uma das mais próximas de Macau. Mas, antes de se dirigir a Cantão, tratou de se inteirar de todas as regras da etiqueta chinesa, principalmente das referentes ao modo como se deve comportar á mesa um homem de distinção. Ensinaram-lhe, entre outras coisas, que comesse de tudo, e que nunca rejeitasse o que o vice-rei lhe oferecesse com os próprios pauzinhos ou fai-chis.
José Gregório fixou tudo na memoria e marchou para Cantão na resolução firme de seguir á risca tudo quanto lhe disseram, persuadido, como estava, de que muitas das negociações que se malograram entre as autoridades chinesas e os diplomatas europeus o tinham sido, não só pela fraqueza demonstrada por estes, mas muito principalmente pela ignorância das regras da etiqueta chinesa, e de que com malcriados os cerimoniosos mandarins nada querem.
Animado d’essas tão acertadas quão razoáveis intenções, Pegado chegou a Cantão, visitou e foi visitado pelo Vice-Rei, e, d’aí a pouco, realizava-se o grande jantar.
Pegado comeu heroicamente de tudo; tudo achou bom e excelente, apesar de não se ter ainda habituado á comida chinesa; mas a ideia da Pátria amparava-o no nobre sacrifício.
Queria a ilha de Taipa e havia de tê-la!
Já estava no fim do jantar e esperava o momento em que, no meio do fumo dos cachimbos, de tabaco e de ópio, poderia encetar a questão com o vice-rei, quanto este lhe perguntou, a propósito de não sei que iguaria, se em Portugal havia porcos e se eram grandes.
Pegado, inflamado em patriotismo, por via do interprete descreveu ao vice-rei as excelentes qualidades dos nossos suínos, d’essas belas raças que dão os presuntos de Lamego, os paios de Arraiolos e os chouriços alentejanos; fez ver que eram muito mais gordos e avantajados que os porcos chineses, tão raquíticos pela falta de bolota; gabou as enormes mantas de toucinho que, depois de salgado, tão bom paladar dá ás sopas portuguesas... enfim, ia continuando na apologia dos cevados lusitanos, quando o vice-rei o interrompeu:
- Então V. Ex.ª deve gostar muito de toucinho?
Pegado, lembrando-se da recomendação sobre questões de etiqueta sínica, que lhe tinham feito os entendidos de Macau, respondeu, sem hesitar:
- Gosto muito. É dos manjares mais apreciáveis que conheço!
Estava-se servindo n’essa ocasião uns bolos com recheio de toucinho em calda de açúcar (!) e feijão. O vice-rei teve a delicadeza de partir ele mesmo alguns d’esses bolos; de tirar de dentro o toucinho que continham... e delicadamente, perante os mandarins extáticos ao verem tanta cortesia, bocadinho a bocadinho, com os fai-chis de que se tinha servido durante o banquete, foi pouco a pouco introduzindo o mesmo toucinho na boca do heróico governador.
Pegado teve um engulho de nojo; fechou os olhos; mas viu n’um relance a Pátria distante a pedir-lhe mais esse sacrifício; e, sem se se lhe contraírem os músculos do rosto, abriu a boca e foi engolindo os bocados de toucinho, a saliva do vice-rei de que estavam impregnados os fai-chis, e engoliria até os próprios pauzinhos - tão dedicado se mostrava ao sublime sacrifício pela Pátria!
Mas a recompensa não tardou. D’aí a pouco levantavam-se da mesa e, quando os cachimbos se acenderam, e Pegado, no meio das espirais de fumo de tabaco e de ópio, encetou a questão capital com o vice-rei, e lhe fez ver a conveniência de ser a Taipa definitivamente ocupada pelos portugueses, Ki-ying disse-lhe:
- Um funcionário chinês não pode ceder nem um palmo de território do seu país; mas V. Ex.ª é um homem tão delicado, sabe tão bem viver com gente elevada, é tão polido nas suas maneiras e eu simpatizo tanto consigo... que coisa alguma lhe posso recusar! Brevemente sairei de Cantão e recomendarei confidencialmente ao vice-rei dos dois Kuangs que feche os olhos ao estabelecimento dos portugueses na Taipa...
Tempos depois, estabelecia-se na Taipa os fundamentos da casa forte que Amaral havia de ocupar definitivamente com a construção da fortaleza. E a Taipa é hoje nossa sem contestação da parte dos chinas. E isto porque um governador teve estômago para comer um jantar chinês do princípio ao fim, e a heroicidade de engolir talhadas de toucinho em calda de açúcar!"

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