Qualitas & Dignitas
O Jansenista fala-nos em “momentos de qualidade”; pessoalmente não gosto da palavra “qualidade” pela vulgarização da sua utilização em tudo o que por aí vai, de iogurtes a cuecas e condomínios. De eleição? De êxtase? De emoção? De felicidade? Únicos? Marcantes? Soa tudo a pouco para aquilo que o confrade quer sugerir; especiais diria eu por dizer. E todos nós passamos – e os anos que passam a isso ajudam -- por esse bilan não do que conta mas do que vai contando no fluir da vida, como se nele buscássemos alguma justificação para o que nela vamos fazendo. Gosto de pensar que o carpe diem poderá não ser mais que um apelo ao investimento no dia que passa, a ver se no somatório dos muitos que correm fica alguma palheta de oiro que anime o tal bilan.
O que faz a diferença não é tanto o privilégio – inerente à natureza humana -de “qualificar”, mas o privilégio de atingir a profundidade das razões que nos permitem qualificar, ou por outras palavras, a natureza, a espécie, a elevação de referenciais de qualificação. A dignitas uns pontos acima da qualitas. E a constatação íntima da relevância objectiva dos nossos referenciais, sim, essa, pode ser um motivo de auto-lástima ou fonte de infinda satisfação. Mais do que seleccionar “momentos de qualidade”, interessa-me conhecer os referenciais em função dos quais se articula a acção de ponderar, equacionar, contabilizar o que vai ficando numa vida. Para uns trastes, a capacidade de “ultrapassar”; para os gourmands os momentos de êxtase palatal; para uns, a capacidade de doação pessoal, para alguns o inventário da sedução, para muitos o reconhecimento de um gesto de afirmação intelectual, para outros “uma colecção privada de triunfos contra o medo da alienação e da irrelevância, de remates positivos num diálogo interior”. Possivelmente, o toque de eterna humanidade talvez seja o despretencioso blend de tudo. Lembra-me aquela passagem de Lampedusa, a impressionante cena do debate íntimo do agónico Salina no acto de “qualificar” e o confronto com o magro resultado da operação:
O que faz a diferença não é tanto o privilégio – inerente à natureza humana -de “qualificar”, mas o privilégio de atingir a profundidade das razões que nos permitem qualificar, ou por outras palavras, a natureza, a espécie, a elevação de referenciais de qualificação. A dignitas uns pontos acima da qualitas. E a constatação íntima da relevância objectiva dos nossos referenciais, sim, essa, pode ser um motivo de auto-lástima ou fonte de infinda satisfação. Mais do que seleccionar “momentos de qualidade”, interessa-me conhecer os referenciais em função dos quais se articula a acção de ponderar, equacionar, contabilizar o que vai ficando numa vida. Para uns trastes, a capacidade de “ultrapassar”; para os gourmands os momentos de êxtase palatal; para uns, a capacidade de doação pessoal, para alguns o inventário da sedução, para muitos o reconhecimento de um gesto de afirmação intelectual, para outros “uma colecção privada de triunfos contra o medo da alienação e da irrelevância, de remates positivos num diálogo interior”. Possivelmente, o toque de eterna humanidade talvez seja o despretencioso blend de tudo. Lembra-me aquela passagem de Lampedusa, a impressionante cena do debate íntimo do agónico Salina no acto de “qualificar” e o confronto com o magro resultado da operação:
“…Tancredi. Certo, molto dell'attivo proveniva da lui: la sua comprensione tanto piú preziosa in quanto ironica, il godimento estetico di veder come si destreggiasse frà le difficoltà della vita, 1'affettuosita beffarda come si conviene che sia; dopo, i cani: Fufi, la grossa mops della sua infanzia, Tom, 1'irruento barbone confidente ed amico, gli occhi mansueti di Svelto, la balordaggine deliziosa di Bendicò, le zampe carezzevoli di Pop, il pointer che in questo momento lo cercava sotto i cespugli e le poltrone della villa e che non lo avrebbe più ritrovato; qualche cavallo, questi gia più distanti ed estranei. Vi erano le prime ore dei suoi ritorni a Donnafugata, il senso di tradizione e di perennità espresso in pietra ed in acqua, il tempo congelato; lo schioppettare allegro di alcune cacce, il massacro affettuoso dei consigli e delle pernici, alcune buone risate con Tumeo, alcuni minuti di compunzione al convento fra l'odore di muffa e di confetture. Vi era altro? Si, vi era altro: ma erano di già pepite miste a terra: i momenti sodisfatti nei quali aveva dato risposte taglienti agli sciocchi, la contentezza provata quando si era accorto che nella bellezza e nel carattere di Concetta si perpetuava una vera Salina; qualche momento di foga amorosa; la sorpresa di ricevere la lettera di Arago che spontaneamente si congratulava per 1'esattezza dei difficili calcoli relativi alla cometa di Huxley. E perche no? L'esaltazione pubblica quando aveva ricevuto la medaglia in Sorbona, la sensazione delicata di alcune sete di cravatte, 1'odore di alcuni cuoi macerati, 1'aspetto ridente, 1'aspetto voluttuoso di alcune donne incontrate, quella intravista ancora ieri alla stazione di Catania, mescolata alla folla col suo vestito marrone da viaggio e i guanti di camoscio che era sembrata cercare il suo volto disfatto dal di fuori dello scompartimento insudiciato. Che gridio di folla. "Panini gravidi!" "Il Corriere dell'Isola!" E poi quell'anfanare del treno stanco senza fiato... E quel1'atroce sole all'arrivo, quei sorrisi bugiardi, 1'eromper via delle cateratte...
Nell'ombra che saliva si provò a contare per quanto tempo avesse in realtà vissuto: il suo cervello non dipanava piú il semplice calcolo: tre mesi, venti giorni, un totale di sei mesi, sei per otto ottantaquattro... quarantottomila... V840.000... Si riprese. "Ho settantatré anni, all'ingrosso ne avrò vissuto, veramente vissuto, un totale di due... tre al massimo." E i dolori, la noia, quanto erano stati? Inutile sforzarsi a contare: tutto il resto: settant'anni…”
Nell'ombra che saliva si provò a contare per quanto tempo avesse in realtà vissuto: il suo cervello non dipanava piú il semplice calcolo: tre mesi, venti giorni, un totale di sei mesi, sei per otto ottantaquattro... quarantottomila... V840.000... Si riprese. "Ho settantatré anni, all'ingrosso ne avrò vissuto, veramente vissuto, un totale di due... tre al massimo." E i dolori, la noia, quanto erano stati? Inutile sforzarsi a contare: tutto il resto: settant'anni…”
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