AS MENINAS GORDAS
Por entre dois passos da coreografia europeia do yeti das Necessidades, lobriguei há bocado um anafado secretário de Estado, versão talhante de Charles Laughton, balbuciar em extâse o que o seu coraçãozito emocionado lhe ditava sobre a sina (nossa e triste) de ter por aqui firmado, em ventriloquia de quem mais manda, esse tratado iníquo a que chamam “da União”. Sôfrego, nervoso, contente, lembrava uma versão revisitada da “Menina Gorda” de Ribeiro Couto.
Oh! Quantas “meninas gordas” tem aquela bendita casa! Oh! Quantas carradas de razão tem Sousa Tavares na diatribe que publicou n' Expresso de dia 15:
"Seja qual for o Governo em funções, as sondagens indicam que o seu elemento mais popular é sempre o ministro dos Negócios Estrangeiros. O resultado é fácil de explicar: internamente, o MNE não incomoda ninguém, não mexe com o dia-a-dia de ninguém; e, externamente também não conta para nada, num país que há muito se desabituou de ter política externa. O grande desígnio de cada MNE é apenas este: não se meter na política interna, não incomodar ninguém, não ter ideia alguma, boa ou má. Depois, nos intervalos, eles adoram dar umas entrevistas em que assumem o papel de 'pensadores' de política internacional, gente que vê muito para lá da mesquinha espuma política dos dias, e de participar em reuniões bilaterais e cimeiras com os seus colegas da 'coisa', encenando, para português ver, a figuração ao lado dos grandes do mundo. Não por acaso, os melhores representantes da profícua arte da deliquescência política - de Jaime Gama a Durão Barroso, de Freitas do Amaral e Martins da Cruz - tiveram todos o seu momento de sublime inutilidade e grandiosa vacuidade enquanto ministros dos Estrangeiros. Mas, se fosse preciso encontrar um único símbolo daquilo a que poderíamos chamar a 'escola portuguesa da diplomacia democrática', esse símbolo só podia ser Durão Barroso. Ele foi e continua a ser o expoente máximo da política vista como manobrismo permanente, adaptação constante, capacidade gélida de nos olhar nos olhos e dizer tranquilamente o contrário do que se está a pensar, e ausência de princípios como único princípio válido.
Como já devem ter percebido, eu não tenho grande consideração pela diplomacia, enquanto arte moderna da política. E, em particular, tenho um profundo desprezo e uma imensa vergonha pela arte portuguesa da diplomacia, em situações mais complicadas. Das relações com Angola às relações com os Estados Unidos, das relações com a China às relações com o Zimbabwe de Mugabe, a nossa diplomacia já deixou há muito de ser apenas inútil e irrelevante, para se transformar, quando analisada de perto e em muitos casos, num motivo de vergonha nacional.
O mais recente episódio com o Dalai Lama - um homem que simboliza tudo aquilo que juramos defender e que representa um povo ocupado pela China em condições exactamente idênticas à ocupação de Timor pela Indonésia - não me espanta, minimamente. Espantar-me-ia era o contrário. Quando o actual MNE, Luís Amado, refere a "total clarividência quanto aos interesses de Portugal" em fingir que não sabe oficialmente que o Dalai Lama está cá, ou quando Marques Mendes, em nome das "razões de Estado", se mostra solidário com o Governo, nós sabemos bem a que interesses e razões se referem: aos das empresas que têm negócios potenciais com a China e que, por coincidência, às vezes também financiam o PS e o PSD. Sempre é mais engraçado ouvir Jerónimo de Sousa a concordar também com o Governo, em nome de "uma perspectiva justa" das relações diplomáticas. Ao menos ele, embora enganado, é coerente: está convencido de que, por ser governada por um partido chamado comunista, a China ainda é um país comunista. Apesar de tudo, é forçoso reconhecer que sempre se fizeram alguns progressos, relativamente à última destas incómodas visitas do Dalai Lama. Pelo menos desta vez, Cavaco Silva não se dispôs à mesma farsa que Jorge Sampaio - encontrando-se, 'por acaso', com o Dalai Lama, numa visita a um museu - naquele que ficará para sempre como um dos mais ridículos episódios da nossa grandiloquente diplomacia 'de Estado'..."
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