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Je Maintiendrai

"... Le refus de la politique militante, le privilège absolu concédé à la littérature, la liberté de l'allure, le style comme une éthique, la continuité d'une recherche". Pol Vandromme

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Thursday, January 04, 2007


Ainda "A Morte e a Igualdade Cristã"


Exprimi algures aí abaixo a minha concordância com o conteúdo do post do Confrade d’ O Pasquim da Reacção sobre a morte do iraquiano Saddam. No momento em que escrevo, já lá vão 14 comentários, interessantes e tão contraditórios que me senti na obrigação de ler de novo o escrito do Confrade para confirmar se me escapara alguma coisa de oculto, profundo e transcendente nesse texto que, pela sua limpidez, despojamento e sensatez, escolhi para representar o meu parecer. E revejo:
Em primeiro lugar sobre uma opinião; a opinião expressa preambularmente pelo Confrade de que “a morte de Saddam se virá a constituir como um momento fundamental na compreensão do nosso mundo e do nosso tempo. Um mundo às avessas onde há duas posições possíveis e onde nenhuma ostenta qualquer tipo de dignidade, onde o espírito dicotómico de “capelinha” e de santificação dos “nossos” não obedece a qualquer premissa que não a identificação com o “nós”.” Liquet? Non Liquet? É uma opinião.
Em segundo lugar um sentimento, confessadamente cristão vindo da boca do Confrade: “não verto lágrimas por Saddam, mas insurjo-me contra uma morte desnecessária, ao contrário dos que defendem a “Liberdade”, mas aceitam todas as excepções ao necessário “rule of law” e imparcialidade das instituições […] Não compreendo essa liberdade, mas compreendo o perdão. Peço a Deus que perdoe Saddam, como a seus executores, como peço que me perdoe a mim." Não vejo aqui qualquer lamechice ou sentimentalismo, e mal estamos se é necessário trazer aqui à colação a Apologética, o R.P. Garrigou Lagrange, o pensamento do Aquinate, a Teologia Moral para Seglares do R.P. Royo Marín, ou uma legião de comentadores bíblicos para justificar ou penetrar a razão de ser dos mais simples sentimentos de misericórdia e de piedade que um católico sem fariseísmos conhecerá e experimentará, mesmo com o arrimo singelo (se preciso for, bastará) do Catecismo da Igreja Católica.
Em terceiro lugar, à margem do plano das opiniões e dos sentimentos, o Confrade debita o parecer sobre três questões técnicas, jurídicas ou político- jurídicas, isto é, remete para um plano que dispensa as opiniões, antes labora sobre conceitos técnicos precisos, que se dominam ou não, sendo que a última hipótese remete o eventual comentador à categoria de mero opinativo, que obviamente também tem direito à vida na caixa dos comentários.
Primo a “execução” de Saddam “não foi um acto de Guerra […] porque o Iraque não está em guerra. Passaram meses a convencer a “opinião pública” de que o Iraque já possuía instituições nacionais e agora é demasiado tarde para voltar atrás…”. De facto, a alguém fica a dúvida de que a insistência naquelas cenas de tribunal, e a final e formal entrega de Saddam pelos Americanos aos executores, se algum fim tiveram foi precisamente a do apagamento do cenário de guerra do Iraque com as devidas consequências jurídico-penais?
Secundo a “execução” de Saddam não foi um “acto de Justiça”. E suponho sem abuso que o Confrade se refira ao contexto divino e também ao do velho direito justinianeu, que já dos bancos da escola nos permitia discernir um mero “acto de vingança” de um “acto de Justiça”. E acrescenta, “quem viu as imagens de Saddam na forca percebe perfeitamente que não existe ali qualquer medida de expressão de um Bem Comum, mas uma vingança de uma parte da população. Os cânticos a Al Sadr e os insultos aos sunitas iraquianos demonstram a inexistência de uma medida maior que o sectarismo”. Lá andam em aflições a confiscar telemóveis e a espiolhar o público para garantir a dignidade do acto. Exemplar.
Tertio, a “execução” de Saddam não foi “um tiranicídio”. Talvez o Confrade não exprimisse da melhor das formas a abrangência do conceito e das múltiplas variações ou remédios do “tiranicídio”, mas fica a afirmação essencial da excessiva desenvoltura da utilização do conceito nesta discussão. O uso arbitrário do termo tirano (como poderia ser ditador, traste, carrasco, opressor) num contexto explicativo da morte que se lhe infligiu, não legitima ou autoriza automaticamente que se desembainhe o aparato doutrinário do “tiranicídio”. Conceito que, no quadro do pensamento cristão (tal qual o ius bellum , o ius in bello, o impium foedus, a amicitia, o amor et. all.) tem um contexto próprio que é o do direito e o das teorias originárias do Poder, dos seus fins e do seu exercício, das relações entre governantes e governados, bem como da autonomia do indivíduo e da sua natural submissão na sociedade política e na mais vasta dos Homens e da ecclesia. Conceito que nem sequer tem em Mariana (como no caso da ética da expansão) um dos expoentes mais equilibrados e que cabe entender, p. ex. em contraste com as teses dos monarcómacos. Conceito que mesmo temporalmente e espacialmente é circunscrito às realidades políticas da Europa cristã dos séculos XVI e XVIII, e às modalidades de ensino e da casuísta de Coimbra, Évora e Salamanca. Conceito, enfim, que nas suas subtilezas distintivas do tyrannus ab origine e do tyrannus ab regimene, torna ridícula, anacrónica e inaplicável a sua associação a um muçulmano de Bagdad no ano de 2006, caído em desventura por intervenção das armas estrangeiras. Por muito menos do que isso, por ter a ver com princípios objectivos, se viu S.Santidade em palpos de aranha ao citar doutrina bizantina sobre a essência filosófica da paz e da guerra!
A utilização de conceitos e instrumentos técnicos dos autores da escolástica e, sobretudo, da Escola Hispânica do Direito das Gentes, está muito na moda: dá para a globalização, para a interculturalidade, para a guerra, a proporcionalidade, o liberalismo ou os direitos humanos. Coisa de Americanos que descobriram hoje os Clássicos e coisa nossa que deixámos de os ler e de os estudar (sobretudo em Portugal e em Espanha) e sobre isso nos contentamos com uns palpites lidos em inglês e debitados ao estilo do que fazem no blogue do “Portugal Contemporâneo”, e que ipso facto chumbariam sem apelo num qualquer exame de 1º ano de Martim de Albuquerque ou de Paulo Merêa.

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