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Je Maintiendrai

"... Le refus de la politique militante, le privilège absolu concédé à la littérature, la liberté de l'allure, le style comme une éthique, la continuité d'une recherche". Pol Vandromme

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Wednesday, December 19, 2007




PREPARANDO O NATAL - II
Marlborough s'en va-t-en guerre

Archie sempre a considerou uma “utterly ridiculous ding-a-ling song” que lhe faz muita confusão; primo por ser na língua de Voltaire, secundo porque mexe com a dignidade íntrinseca do Duque, de Blenheim e dos troféus de Malplaquet.
Nas disputas homéricas que opunham as duas grandes tutelas culturais da minha infância, as hostilidades também se estendiam aos acordes das musiquetas das crianças. Archie insistia numas insípidas cançonetas britânicas que não iam nada com a consoada; a minha Tia levava a melhor, até porque as cerimónias natalícias começavam oficialmente na sua casa da Av. Duque de Ávila, cenário da outra guerra dos cigarros russos, de que já aqui falei.
O presépio da minha Tia era um monumento; em tamanho e em absurdo só ultrapassado, porventura, pelo da Morgadinha dos Canaviais. Ocupando um canto vasto de uma das salas, era um compromisso entre belas e antigas figuras portuguesas e figurinhas de chumbo francesas do II Império. A minha Tia desculpava-se com a memória do Tio Pierre, que sempre entendera o presépio numa perspectiva revanchista, um espectáculo son-et-lumière que, mais que o nascimento do Menino Deus, celebrava as glórias dos Marechais de França, e onde até os Reis Magos pareciam mamelucos das campanhas do Egipto. O clou era, precisamente, o son de tudo aquilo, debitado por uma caixa de música da afamada casa Reuge. E quem esperasse as notas familiares do cancioneiro do Natal lusitano (ou mesmo o O Tannenbaum, como faziam os burgueses Orey lá do barracão), que se desimaginasse: a caixa, trepidante com as maniveladas infantis, só debitava para nosso encanto os acordes de Marlborough s'en va-t-en guerre, que facilitavam, pelos atalhos do musgo, a marcha dos couraceiros de chumbo para os baixos onde já aguardava entrincheirado o Menino Jesus. A minha Tia e M.lle Anne encarregavam-se gostosamente de cantarolar e ensinar-nos a letra que, desde os tempos doirados de Versailles, celebrara entre o povo e as crianças a notícia falsa da morte do Duque de Marlborough na sua última e custosa vitória de Malplaquet em 1709. O primo Archie, quando calhava em Lisboa, amuava, e não sem razão: achava que só a mente demente de um francês perpetuaria em música e letra a memória de uma das maiores tundas a que se sujeitou esse “gilted pompous ass” do Rei Sol.
Tenho uma imensa saudade dessa família e dos seus encantadores absurdos, mas no meu relativamente solitário presépio já lá está a caixa de música e os acordes meio desarticulados de Marlborough s'en va-t-en guerre, mironton, mironton, mirontaine…

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