Je Maintiendrai
"... Le refus de la politique militante, le privilège absolu concédé à la littérature, la liberté de l'allure, le style comme une éthique, la continuité d'une recherche". Pol Vandromme
Friday, December 21, 2007
Paul Johnson The Spectator, 12.12.2007
“To open a newspaper today is to enter a world of such horror, cruelty, vulgarity and corruption that one cannot imagine why almighty God does not decide, here and now, to put an end to it. But God knows better. There are many fine people around, and beautiful objects, and worthwhile activities, and as the year comes to an end we ought to remember them and give thanks. Just as there are 12 days of Christmas, so there are 12 blessings and here is my list for 2007. By a curious chance they all begin with the letter ‘F’.
First of all I give thanks for Family and Friends. Modern governments hate the family and seek to stamp it out. In China it is a criminal offence to have more than one child. Imagine the misery of a country where the phenomenon of an only child is a million strong. Here New Labour, as the latest scandals show, does not recognise a friendship unless qualified by a cash nexus. But we can show how much we value family and friendship by kneeling down each night by our beds and saying a prayer for each member of our family, and all our closest friends, by name. If this takes a long time, we can count ourselves lucky (…)
Thank God for Fingers. They do so many things, from the useful to the sublime. I first thought seriously about fingers when I heard Myra Hess play Grieg’s Piano Concerto in A Minor, and wondered how she could make hers do so much, so quickly, so skilfully and so beautifully. I am grateful I have fingers to paint and to write things like this. Let us never take fingers for granted. Nor should we take for granted the human Face. The more I think about it, the more wonderful it seems to me: its infinite variety, its extraordinary ability to show you what is going on in the brain behind it. I caught a glimpse, the other day on the Tube, of a face of such exquisite beauty and serenity that I am certain its owner is a holy woman. What I saw was not an appearance but an epiphany.
At the other end of this moral scale is St Francis of Assisi. He is the patron of animals but also, we forget, of the cheerful and patient acceptance of suffering. He was only 45 when he died, and for some years before that had experienced great trouble with his eyes, eventually going blind. His sufferings were appalling, especially from the attempts to relieve them by the primitive medicine of the 13th century. He bore everything with fortitude and resignation. St Francis makes us think of the infinite, unrelieved suffering of this world, and to hope that, if we ourselves have to face huge pain, we will submit to it with his courage and patience (…)
So my penultimate blessing is a call for Fidelity. I love faithful people, those plain, good, humble and modest worshippers I see in the churches I frequent, of all shapes and sizes and colours and cultures, but united by their faith, and their fidelity to it. In the old days, they would have been martyrs and have given their blood. Now they have the less exciting task of struggling on, saying their prayers and doing their duty when all the wealth and resources of a world where Satan rides high are devoted to stamping out religion. So my final blessing this end-of-year is that we may Feast, but feast seriously and serenely, earnestly and gravely, rejoicing in the good things but aware too of the wrath that is surely coming. ‘The fear of the Lord is the beginning of wisdom.’
Wednesday, December 19, 2007
Marlborough s'en va-t-en guerre
Nas disputas homéricas que opunham as duas grandes tutelas culturais da minha infância, as hostilidades também se estendiam aos acordes das musiquetas das crianças. Archie insistia numas insípidas cançonetas britânicas que não iam nada com a consoada; a minha Tia levava a melhor, até porque as cerimónias natalícias começavam oficialmente na sua casa da Av. Duque de Ávila, cenário da outra guerra dos cigarros russos, de que já aqui falei.
O presépio da minha Tia era um monumento; em tamanho e em absurdo só ultrapassado, porventura, pelo da Morgadinha dos Canaviais. Ocupando um canto vasto de uma das salas, era um compromisso entre belas e antigas figuras portuguesas e figurinhas de chumbo francesas do II Império. A minha Tia desculpava-se com a memória do Tio Pierre, que sempre entendera o presépio numa perspectiva revanchista, um espectáculo son-et-lumière que, mais que o nascimento do Menino Deus, celebrava as glórias dos Marechais de França, e onde até os Reis Magos pareciam mamelucos das campanhas do Egipto. O clou era, precisamente, o son de tudo aquilo, debitado por uma caixa de música da afamada casa Reuge. E quem esperasse as notas familiares do cancioneiro do Natal lusitano (ou mesmo o O Tannenbaum, como faziam os burgueses Orey lá do barracão), que se desimaginasse: a caixa, trepidante com as maniveladas infantis, só debitava para nosso encanto os acordes de Marlborough s'en va-t-en guerre, que facilitavam, pelos atalhos do musgo, a marcha dos couraceiros de chumbo para os baixos onde já aguardava entrincheirado o Menino Jesus. A minha Tia e M.lle Anne encarregavam-se gostosamente de cantarolar e ensinar-nos a letra que, desde os tempos doirados de Versailles, celebrara entre o povo e as crianças a notícia falsa da morte do Duque de Marlborough na sua última e custosa vitória de Malplaquet em 1709. O primo Archie, quando calhava em Lisboa, amuava, e não sem razão: achava que só a mente demente de um francês perpetuaria em música e letra a memória de uma das maiores tundas a que se sujeitou esse “gilted pompous ass” do Rei Sol.
Tenho uma imensa saudade dessa família e dos seus encantadores absurdos, mas no meu relativamente solitário presépio já lá está a caixa de música e os acordes meio desarticulados de Marlborough s'en va-t-en guerre, mironton, mironton, mirontaine…
O PRESEPE
A balbúrdia, a azáfama festiva que ia no Mosteiro era indescriptivel. Na cozinha, nas salas, nos corredores tudo era movimento e ruído. Aqui eram as crianças jogando, a pinhões, o «par ou pernão» e o «rapa», jogos popularíssimos e de ocasião, que, de tão conhecidos, dispensam o trabalho de descrevê-los. Estes jogos, como é de prever, não se executavam sem um concurso de vozearia e de algazarra, que desafiava a impaciência de D. Victoria, a qual, segundo o costume, ia, pelo que se passava na sala, ralhar com os criados à cozinha. No aposento immediato ao quarto de D. Victoria, armara-se o presepe, deante do qual ardiam seis velas de cera em castiçaes de prata maciça.(…)
Henrique voltou com o conselheiro a admirar o primor que a paciência de um artista imaginoso realizara na confecção do presepe, onde estavam representados todos os episódios da natividade de Jesus, e muitos outros. Era effectivamente uma complicada máchina aquelle presepe, e seria prova de profunda indiferença artística passar por elle sem um exame, embora fugaz. Este traste antiquissimo na família gozava de nomeada n'um circulo de léguas em redor. Havia empenhos para o ver no tempo do Natal, e se algum viajante estacionava dois dias na aldeia, encontrava sempre quem lhe recommendasse o visitar o presepe, como coisa digna de ver-se. Consistia elle n'uma espécie de santuário de pau preto, no meio do qual havia uma pequena gruta toda cravejada de caramujos, e rosas de papel, com estames de fio de prata. Dentro d'essa gruta estava deitado o menino Deus, não sobre umas palhas, como a tradição refere, mas graças aos impulsos do compadecido coração de D. Victoria, que, ainda que tarde, parecia tentear um lenitivo aos antigos rigores da humanidade, em uma bonita cama de lençoes de renda com cercadura dourada; colcha de setim bordado, e colchão e travesseiro da mais macia penugem de aves americanas. Ao lado, Nossa Senhora e S. José, de proporções quasi iguaes as do menino; mais longe a vacca e a mula tradicionaes. Os episódios porém eram inquestionavelmente o mais interessante da obra. Vários grupos de pastores, soldados e fidalgos de todos os tamanhos, feitios e vestuários, ornavam a scena. Ali um cego tocador de sanfona; um grupo de gallegos dançando, ao som da gaita de folle; uma pastora com ovos mais adeante; ao lado, um grupo celebrando um pic-nic, perfeita actualidade, tudo em mangas de camisa, com gravata, e botas de cano; — outros fumando e bebendo cerveja. Uma amazona ingleza, com o seu jockey, galopava pelas cercanias de Bethlem, um vareiro e uma vareira caminhavam a par com offertas para o menino. Ao longe, nos visos da serra, appareciam os Três Reis Magos, que deviam levar dez dias a chegar abaixo. Não esqueceu ao inspirado auctor d'aquelle monumento escultural os muros de Jerusalém. Elles lá estavam coroados de ameias e de milicianos fardados a ingleza e armados de lança e arcabuz. Eram gigantes aquelles guerreiros, pois, não obstante estar a muralha no plano do fundo do quadro, qualquer d'elles era duas vezes maior do que as figuras do plano da frente. No alto da muralha arvorava-se a bandeira portugueza. Havia vários santos espalhados pelas agruras d'aquellas montanhas, e, entre os additamentos feitos pela devoção de D. Victoria ao presepe, contava-se o de um Santo António de Lisboa, que, apesar de thaumaturgo, parecia muito admirado de se ver n'aquelle tempo e logar. Um gallo colossal soltava do telhado do presepe o grito annunciador, anjos e cherubins espreitavam do céo por entre nuvens de algodão e estrellas de ouropel. Era um prodígio!”
Júlio Diniz, A Morgadinha dos Cannaviaes (Chronica da Aldeia)
Tuesday, December 18, 2007
JE MAINTIENDRAI “Salaam Aleikum” (Baron von Münchausen-1943)
Pour moi. Porque é assim e estou de partida.
COMBUSTÕES "Meine Mama war aus Yokohama" - Lizzi Waldmüller
Certamente, the best of two worlds no entender do nosso homem nas Índias Orientais
O JANSENISTA – “Spiel Zigeuner” (Csardasfürstin) Marika Rökk
Uma antevisão do Jansenista e de Uma Thurman, já entradotes, num jantar de esturjão no Carpatia, em Budapest. Sublime a cena do copo partido e da reviravolta do contrabaixo.
O RÉPROBO “Du hast Glück bei den Frauen bel Ami” - Lizzi Waldmüller
Um Bel Ami em todos os sentidos. Descontada a gataria, invejável a frequência feminina.
BIC LARANJA "Er soll mein Herr sein” - Leo Slezak/ Marik Rökk
Depois de tanto calcorrear pelas ruas de Lisboa, uma noite das Arábias pontificada pelo ersatz de Rosa Araújo. Porventura, no Palácio Foz quando era casino? O meu avô foi um dos estarolas participantes na célebre quebra dos espelhos da escadaria a golpes de garrafa de champagne. Fica a dica.
MISS PEARLS AND LADIES “Das Glück wohnt überall, und überall wohnt Liebe” – Marika Rökke
Champagne a rodos para as Senhoras. Desde os tempos da Pompadour que é uma obrigação dos cavalheiros…
D.FAUSTINO E HERMANOS “Ach! ich liebe alle” – Marika Rökke/Zarah Leander
Saludos! aos amigos comentadores do outro lado da raia. E já agora ficámos todos a perceber onde o realizador de “Victor/Victoria” se foi inspirar para a cena da Shady Dame from Seville com Julie Andrews.
PEDRO BOTELHO E OUTROS “Die Drei von der Tankstelle”
À arte de todos quantos da Tankstelle derramaram incendiária gasolina nos blogues alheios.
Tive o privilégio de lá estar nesse dia 20 de Dezembro de 1999. Por dever de ofício e por mo puxar o coração. Muito comovido, o que é raro nesta natureza que Deus me deu, com os olhos pregados na bandeira.
Nunca mais fui a Macau. Nem quero. Dizem-me que, descida a bandeira, ficou uma fachada de coisas e de gente sem significado. Mais um pedaço de mundo acabado.
Monday, December 17, 2007
Sunday, December 16, 2007
“….Santa audácia! Bizarra índole de antigo cavaleiro, que abriga no peito a generosidade com que os heróis dos Lobeiras, Cervantes, Barros e Morais se lançavam às aventurosas lides, no intento de corrigir vícios e endireitar as tortuosidades da humana maldade! Não desanimou Calisto Elói, tão desabridamente rebatido por D. Catarina Sarmento.
Averiguou quem fosse o galã daquela cega dama, e facilmente lho nomearam. Era um gentil moço, useiro e vezeiro de semelhantes baldas, enfatuado dela, e respondendo por si com sabre ou florete, quando gente intrometida em vidas alheias lhe falava à mão.
O informador do morgado explanou difusamente as qualidades do sujeito, relatando as vítimas, e os acutilados na defesa delas.
Ocorreu à memória de Calisto aquela apostólica e heróica intrepidez de Fr. Bartolomeu dos Mártires, quando foi a defrontar-se com um criminoso e façanhudo balio, que prometia engolir o arcebispo de Braga, e o colégio dos cardeais com o próprio papa, se necessário fosse! Grande coisa é ter lido os bons clássicos, se desejamos saber a língua portuguesa, e criar alentos para atacar velhacos!
Aí vai o esforçado Calisto Elói de Silos em demanda de D. Bruno de Mascarenhas. Um escudeiro anuncia ao fidalgo um ratazana.
– Quem é um ratazana? – pergunta D. Bruno.
– É um sujeitório – diz o criado – vestido ratonamente, e não diz o nome, porque V. Ex.a o não conhece.
– Que quer ele?
– Falar com V. Ex.a.
– Vai perguntar-lhe quem é, donde vem, e que quer.
Interrogou o criado com mau semblante o morgado.
Calisto escreveu numa página rasgada da carteira, e perguntou ao criado se sabia ler. Disse que não o interrogado.
– Pois entrega esse papel a S. Ex.a.
D. Bruno leu, meditou algum espaço, e perguntou:
– Sabes se em casa do desembargador Sarmento há algum criado chamado Custódio?
– Não, senhor, não havia até ontem; só se entrou hoje.
– Esse homem que aí está dá ares de criado? – Não, senhor: é assim um jarreta vestido à antiga, com uma gravata que parece um colete.
– Manda o entrar para aqui.
D. Bruno releu a linha escrita a lápis, e disse entre si:
– Que Custódio é este!?
Nisto, assomou Calisto Elói.
Bruno de Mascarenhas adiantou-se a recebê-lo, e disse-lhe maravilhado:
– Eu já tive a honra de cumprimentar a V. Ex.a no escritório da Nação. V. Ex.a é o sr. Calisto Elói de Barbuda.
– Sou, e agora me recordo que já tive o prazer de o encontrar...
– Mas V. Ex.a neste bilhete diz que é Custódio! – tornou Bruno.
– Custódio, que é sinónimo de anjo-da-guarda, ou anjo-custódio da Ex.ma Sr.a D. Catarina Sarmento.
Abriu o moço a boca, e disse:
– Ah! ... Agora é que eu percebo ... Mas ... queira V. Ex.a sentar– se... Eu não sei que alusão possa ser esta... que... a respeito de...
Calisto sentou-se, estendeu o braço direito com a mão aberta, e atalhou o enleio de Bruno dizendo solenemente:
– Vou falar.
E, após curta pausa, relanceou discretamente os olhos à porta, como quem receia ser ouvido.
– Pode V. Ex.a falar, que eu fecho a porta – disse o confuso Mascarenhas.
Camilo Castelo Branco, A Queda de um Anjo, Cap. XII "O Anjo Custódio"
Saturday, December 15, 2007
Friday, December 14, 2007
Pelo menos até à visita da Raínha Isabel II de Inglaterra em 1957, coches, mulas, cavalos, arreios, telizes, penachos, testeiras, freios, esporas, água, aveia, sotas, boleeiros, lacaios e librés, tudo tinha o seu lugar nos fastos antigos das recepções com que se honravam em Lisboa os Chefes de Estado estrangeiros.
Pela posição da bicharada em relação aos varais, a coisa hoje mudou de feição e indicia alguma desordem. Hábitos de estrebaria, diria o meu Avô.
Thursday, December 13, 2007
Beim schlafengehen
"Beim schlafengehen" 3ª das Vier Letzter Lieder - Richard Strauss / Jessye Norman
2ª alternativa de fundo aos posts abaixo
Wednesday, December 12, 2007
The Life And Times of Count Luchino Visconti
Acabo de reencontrar, disponível na net, um excelente documentário da BBCfour sobre Visconti. Imagens belas, testemunhos pungentes ou pelo menos impressionantes de uma biografia atravessada de veios de génio, de grandeza, de distanciamento e de alguma tristeza, que sugere um insuspeito estoicismo. Vão aí abaixo três ou quatro partes que darão ao leitor uma ideia do interesse da série, aliás em bom complemento à longa entrevista conjunta com Maria Callas, que também por aí andou. Mais abaixo um texto antigo deste blog (fev.2006). Não será muito elegante repetir o que escrito foi, mas permito-me relevar a falta pela dedicatória que na altura faltou a MZ, espírito de eleição, sensibilidade ímpar.
Visconti e Tomasi
Notas de Leitura. A propósito da exibição de Il Gattopardo.
O anúncio da exibição em Lisboa de uma versão íntegra de Il Gattopardo, deu-me azo a que não só revisse em casa o film (de facto, já há uns anos em dvd ed. Medusa, na sua versão de cor restaurada, língua original + um dvd de entrevistas, galerias, etc.), mas, sobretudo, a que folheasse três ou quatro livros que os tempos foram aqui acumulando para proveito do meu interesse pela obra e personalidades do Conde Luchino Visconti di Modrone e do Príncipe Giuseppe Tomasi di Lampedusa.
Sobre a famosa película, estamos falados; como a Morte a Venezia, Il Gattopardo tornou-se um “filme de culto”: tanto dos furiosos da cinematografia, tanto de certas tribus, umas assimilando a Morte aos ícones artísticos da homossexualidade rafinée, outras, procurando no Gattopardo um valor com a mesma funcionalidade icónica, aqui do tipo de um auto-consolo aristocrático e revanchista de cariz “ítalo-miguelista”. A uns e outros, a recomendação (escusada) que, a bem do rigor, se debrucem atentamente sobre a profundidade dos textos de T. Mann e de Giovanni Tomasi, ainda que um e outro percam substancialmente despojados do seu sabor original em alemão ou italiano de marca siciliana.
O que hoje notei é que numa época em que os autores literários são os primeiros, em pecuniosa cumplicidade com a indústria cinematográfica, a consentir e avalizar o estupro da sua obra e a divulgação do seu brilho assim tornado fosco (v.g. U. Eco/Il Nome della Rosa, K. Ishiguro/ The Remains of the Day) Il Gattopardo livro/film é (apesar da fidelidade formal quase perfeita do segundo ao primeiro) um dos casos mais acabados de exercícios artísticos libertadores, cuja autonomia é acentuada não apenas pela falta de contacto dos seus autores mas também pelo abismo das diferenças das respectivas personalidades.
Ao génio de Luchino Visconti, sobretudo ao nível arte do cinema e da encenação teatral, conhecemo-lo escalpelizado por tantos textos, sobretudo em obras como a paradigmática de Henry Bacon, Explorations of Beauty and Decay. Mas foi Renzo Renzi (que já nos brindara com magníficos estudos sobre Fellini) quem recordou no seu interessante Visconti Segreto o facto vital que para o Mestre, “il cinema e il teatro furono, per lui, l'occasione di un lungo godimento estetico, quindi di una lunga liberazione, ma insieme anche di una lunga, molto civile, espiazione". Expiação que Alessandro Bencivenni (“L'eredità viscontiana”, in Studi Viscontiani) por si interpretou --- inaugurando uma visão explorada à saciedade, com um manifesto exagero muito petite bourgeoisie --- em termos de que “tutta la sua opera è attraversata infatti da un profondo senso di colpa, legato alla sua duplice "diversità" di omosessuale e di aristocratico, vissuta contemporaneamente come privilegio e come condanna”.
Giuseppe Tomasi é um caso totalmente diferente. O decaído mundo tomasiano não é um mundo ignoto ou revelado no exclusivo do Príncipe de Lampedusa; na sua especificidade e no seu pitoresco foi similarmente vivido e testemunhado por outros sículos contemporâneos como p. ex. o Marquês Fulco Santostefano della Cerda, vulgo Fulco di Verdura, o famoso criador de joalharia dos thirties hollywoodianos, cujas interessantes memórias saíram à estampa com o título Une Enfance Sicilienne, infelizmente apresentada e adaptada na paupérima iniciativa de Edmonde Charles-Roux. Aliás, as imagens un peu fades do belíssimo álbum I luoghi del Gattopardo devido ao próprio filho adoptivo de Tomasi, o Príncipe Lanza Tomasi, têm mais a ver com o mundo descrito por Fulco, do que com as imagens buriladas de Tomasi.
A mola vital de Il Gattopardo livro não está na douceur de vivre, no saudosismo, na tentação estética, mas reside no estranho carácter do seu autor, analisado e descrito magistralmente por David Gilmour em The Last Leopard: a libertação de toda a energia contida de um carácter erudito, tímido e misantrópico, a explosão de uma visão das coisas e dos homens longamente calada e maturada que subitamente tomou forma não apenas num esplendoroso exercício de estética literária, mas sobretudo na construção de um insidioso labirinto intelectual de estáticas e de imobilidades, tão distantes quanto álgido era o próprio Tomasi, um labirinto tão bem descodificado por M. Vargas Llosa em “Mentira de Príncipe”, um texto publicado em La Verdad de Las Mentiras, e que tão poucas vezes é trazido à colação dos estudos leopardinos. Felizmente, estamos muito longe do mundo dos cartoons…
Monday, December 10, 2007
At first everything was made easy for him. He had been endowed by nature with high intelligence, charm, good looks and good health. He was the eldest son of parents of immense wealth and impregnable social standing. ‘I had at that time no chosen profession,’ he wrote; ‘I had, indeed, no dominant occupation, unless I may apply this honourable description to the habit of miscellaneous reading …. or to the meditations intermittently pursued, though never abandoned, on the best way of giving effect to my philosophic ambitions.’ But because he was the much loved nephew of the great Marquess of Salisbury, Eton and Cambridge led in the end inevitably to politics. When in 1874 he was offered what was as nearly a rotten borough as could be found in Britain, he accepted it as his due. All that he lacked among those things that are generally felt to conduce to perfect happiness was a wife. This deficiency he felt no inclination to repair. Though he relished the company of clever and beautiful women he was, in Curzon’s phrase, ‘a tepid though charming lover’. He was, indeed, incapable of any strong passion, whether personal or political. The blood that pulsed behind that ever-so-distinguished façade was blue enough, but it ran thin and cool..."
«The Portuguese Prime Minister, Jose Socrates, gave an extraordinary closing speech which spoke about bridges being built, steps forward being taken, and visions being pursued. He went off on such an oratorical flight, in fact, that I became mesmerised by the beauty of the Portuguese language and the elegance of his delivery. I was so bewitched that I didn't register any concrete points in the speech at all. Perhaps there weren't any. But it certainly sounded good.»
Mark Doyle, Jornalista da BBC, enviado a Lisboa
Sunday, December 09, 2007
ELEFANTÍASE BIBLIOGRÁFICA
Interessantes leituras as do confrade Réprobo. Perante a infinda erudição e a propósito do tema que traz à cena, apetece usar daquela definição que creio inaugurada sobre o Abade Correia da Serra, e dizer que é um verdadeiro elefante científico e literário!
Mas para as voyages autour de ma chambre cá está a bibliotecazinha, e nada como a por à prova.
They began their digging from far off and burrowed their way underground until they reached the base of one of the larger idols. Then they hollowed out the inside of the idol from underneath so that it was possible for a man to raise his head up into the idol's stomach. When this work was finished, someone secretly entered the statue and began delivering wicked sermons from within. Besides this trick they contrived a system of magnets in the ceiling of one of the temples and were able to suspend an iron idol in mid air.
With this kind of fraud and deception they had no difficulty in fooling the simple-minded. Once established by means of artificial miracles, they busied themselves converting the people, calling them to join their foreign faith. Thus they led those poor fools forth from one pit of error into another, the dilemma of the Frank religion. The pickaxe of their schemes was sharp and piercing, leaving its mark in the granite of the people's heart…”
Friday, December 07, 2007
Há tempos, desafiou-me o confrade Réprobo que aqui trouxesse o exemplo de uma pintura, daquelas que arrebatam a alma e nos marcam o coração. De vez em quando lá ia puxando pela cabeça, pela alma e pelo coração para trazer à lide alguma coisa que se veja. E nada. Nada, estão os confrades a ver, pela impossibilidade prática de individualizar e hierarquizar a emoção estética, que a mais das vezes, apesar de a chamarmos de estética, é mais complexa pela associação emotiva a outros planos -- temporais, pessoais, emocionais ou temperamentais – que associamos à primeira visão ou à visão reveladora de uma dada obra de arte.
Todavia, como daqui a dias me meto ao caminho de Madrid para encontrar amigos velhos, aproveito para ver a grande exposição Los Grecos del Prado e está já topada a excusa de resposta ao caro Réprobo: nos 47 lienzos da mostra vejo incluído um conhecido de outros tempos, o imponente retrato de Don Julian Romero. Poucos conhecerão Don Julián Romero, dito “el de las hazañas”. É, de facto, das menos populares pinturas do Greco, porventura até pela atipicidade do estilo e das dúvidas quanto à sua atribuição.
Quem hoje passe pelo Prado vê dada à tela a dignidade e o destaque que merece; mas não era assim há vinte e poucos anos. Nesse tempo estava numa parede esconsa e solitária, mal iluminada e relativamente diminuida por contraste com as grandes vedetas que atraíam os calcorreadores das mármoreas galerias do museu madrileno. Foi também D. Antonio Truyol y Serra, numa das nossas peregrinações pedestres das tardes de Sábado, quem pela primeira vez, com o seu sempre sábio comentário, me chamou a atenção para a, de facto, espantosa pintura; era, segundo me disse, com o Saturno de Goya, das preferidas do exilado C.Schmitt no Prado.
Tela de grandes dimensões, retrata D. Julián Romero, natural de Antequera; no seu tipo marcadamente peninsular, um desses duros cabos de guerra do Siglo de Oro, Mestre de Campo do tercio da Sicília que o Duque de Alba levou às guerras da Flandres. O manto de Santiago mal lhe esconde o pomo do aço da espada, a golilha e o negrume do traje filipino. Está de joelhos e orante, ligeiramente amparado por um santo em aprestos de guerra, que uns dizem ser no manto dos lizes S. Luís de França, e outros S. Julião. Pouco importa. D. Julián, no acto da apresentação pelo seu patrono, está já perante o Criador, no qual os dois fixam uma mirada entre o sereno e o súplice.
É este um dos encantos da tela: ao contrário do que é frequente na pintura religiosa, a invulgar presença num tema secular da linha invisível que nos separa, que nos empurra ou distancia do privilégio do destinatário da visão mística.
Dir-se-ia que a explicação terrena, a palpabilidade de D. Julián estaria na inscrição do sopé da coluna da esquerda, recordando com monotonia as vicissitudes da vida guerreira do companheiro do feroz Alba, nas plagas húmidas da Flandres, iluminadas pelos fogos das praças e das terras assoladas pelo passo cerrado dos tercios viejos. Mas não. Até mesmo aqui, o distanciamento do modelo face ao observador na sua insignificância terrena. Num último assomo de soberba, a mensagem é sóbria: basta que se saiba que o retratado foi "Mestre de Campo el más famoso de los ejercitos de Italia y Flandres de cuyos hechos gloriosos están llenas las Historias".
Os mortais, pois, que se afadiguem esterilmente a buscar e a enumerar as glórias bélicas de que “están llenas las Historias”. D. Julián, “el de las Hazañas”, na majestosa simplicidade do seu manto santiaguenho e de olhar iluminado pela visão beatífica, está já a caminho da Eternidade.
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mató a don Guido, y están
las campanas todo el día
doblando por él: ¡din-dan!
Murió don Guido, un señor
de mozo muy jaranero,
muy galán y algo torero;
de viejo, gran rezador.
Dicen que tuvo un serrallo
este señor de Sevilla;
que era diestro
en manejar el caballo,
y un maestro
en refrescar manzanilla.
Cuando mermó su riqueza,
era su monomanía
pensar que pensar debía
en asentar la cabeza.
Y asentóla
de una manera española,
que fue casarse con una
doncella de gran fortuna;
y repintar sus blasones,
hablar de las tradiciones
de su casa,
a escándalos y amoríos
poner tasa,
sordina a sus desvaríos.
Gran pagano,
se hizo hermano
de una santa cofradía;
y el Jueves Santo salía,
llevando un cirio en la mano
—¡aquel trueno!—,
vestido de nazareno.
Hoy nos dice la campana
que han de llevarse mañana
al buen don Guido, muy serio,
camino del cementerio.
Buen don Guido, ya eres ido
y para siempre jamás...
Alguien dirá: ¿Qué dejaste?
Yo pregunto: ¿Qué llevaste
al mundo donde hoy estás?
¿Tu amor a los alamares
y a las sedas y a los oros,
y a la sangre de los toros
y al humo de los altares?
¡Buen don Guido y equipaje,
buen viaje! ...
El acá
y el allá,
caballero,
se ve en tu rostro marchito,
lo infinito:
cero, cero.
¡Oh las enjutas mejillas,
amarillas,
y los párpados de cera,
y la fina calavera
en la almohada del lecho!
¡Oh fin de una aristocracia!
La barba canosa y lacia
sobre el pecho;
metido en tosco sayal,
les yertas manos en cruz,
¡tan formal!
el caballero andaluz.
Antonio Machado, Llanto de las virtudes y coplas por la muerte de don Guido (de que há uma formosa tradução por Alexandre O’Neill)
Wednesday, December 05, 2007
"Have a banana! No! Have two bananas...!!"